Imagem: Nilton Bueno Fischer. Fonte: Scielo.
Mestre pela UFRGS, doutor pela Stanford University e pós-doutor em Educação pela University of Illinois, Nilton Fischer tinha como tema recorrente de suas pesquisas a Educação Popular e a Educação Ambiental - formação e perfil que o levaram a ser nomeado como secretário de Educação de Porto Alegre (RS) em 1993, na gestão do prefeito Tarso Genro (PT). Ainda nos anos 80 Fischer já chamava atenção pelo estudo realizado junto a recicladores de lixo, em especial na Associação de Reciclagem Ecológica Rubem Berta, em Porto Alegre. Foi de conversas com o então diretor da Faculdade de Educação da UFRGS que o cineasta Jorge Furtado delineou o celebrado curta-metragem "Ilha das Flores". "Nilton era apaixonado por seu trabalho, conhecia profundamente as relações sociais e políticas das comunidades carentes da cidade, tinha um interesse real e comovente pelo ser humano comum, pelos excluídos. Não tinha uma atitude paternalista, não estava ali para ajudar ou fazer caridade, seu interesse era transformar, promover cidadania. Ele tinha visto meus primeiros curtas e me instigou a fazer um trabalho sobre os caminhos do lixo. [...]Nilton faz muita falta, era um ser humano incomum, muito inteligente e bem humorado, com uma grande capacidade de ouvir. Pelo seu exemplo, ensinou muita gente, inclusive a mim, o verdadeiro sentido da educação", afirma o diretor em depoimento disponível no blog Sigamos Nilton, que reúne homenagens ao educador.
Tanto para amigos e familiares quanto para colegas e orientandos, a pessoa de Nilton é lembrada por sua alegria e paixão pelo conhecimento e pela ação educativa em sua mais ampla concepção. "Meu irmão tem uma história feita de lutas genuínas, as mais diversas, e que se concentram exatamente nisso, na defesa da educação e dos direitos humanos. Desde muito jovem, ele se mostrava a nós, na família, como a figura de um legítimo 'irmão mais velho' – aquele que dava o exemplo, aquele que nos surpreendia por enxergar (e apontar ao mundo) a urgência de um olhar generoso, cúmplice e lutador em direção ao outro, de modo particular ao outro que nossas sociedades insistem em colocar à margem", conta a irmã Rosa Maria Bueno Fischer, também anpediana.
* Clique aqui e confira depoimento de Rosa Maria sobre Nilton Bueno Fischer
Imagem: Rosa Maria Fischer e Nilton Bueno Fischer. Fonte: arquivo familiar
Doutor em Educação pela USP, Sérgio Haddad foi colega e amigo íntimo de Fischer. Em texto intitulado "Educação popular e formação pedagógica: contribuições do educador Nilton Bueno Fischer", para a revista Educação & Realidade , Haddad recupera o contexto da década de 1970, em que os jovens educadores eram incitados a tomarem consciência crítica para intervir numa sociedade autoritária e desigual, o que galgou importância à Educação Popular e à educação de base, norteada pelo pensamento de Paulo Freire. É nesse momento que Fischer mostra seu empenho em alinhar conhecimento acadêmico, docência e escuta ao sujeito concreto. "Desde logo, a sua preocupação foi a de dar voz aos atores sociais, homens e mulheres dos setores populares. Seu mantra foi o da escuta atenta para a presença e o pensar de pessoas e comunidades em situação de pobreza, expressos por suas falas e corpos. E, muitas vezes, fez isso como um alerta aos mediadores, aos agentes que no campo da Educação Popular procuravam impor projetos políticos, ou interpretar seus pensamentos e suas características culturais a partir de esquemas teóricos e de lógicas de fora da comunidade, sem o respeitoso diálogo necessário. Por isso, a sua permanente insistência na escuta", relembra Haddad, da ong Ação Educativa.
Paulo Carrano, Primeiro Secretário da ANPEd, também se recorda com enorme admiração e gratidão a figura do anpediano, educador, pesquisador reflexivo e sempre em ação, pessoa alegre e generosa. "Quando conheci Nilton, iniciava minha carreira de pesquisador e com ele aprendi como é possível, e vital, conciliar a busca do rigor acadêmico com olhar que não se afasta do existir dos que mais sofrem com as múltiplas injustiças de um país desigual como o Brasil. E da mesma forma, se colocar em dialogar com os saberes populares. É neste jogo de reconhecimento das dores e saberes dos mais pobres que se organizam para lutar pelos direitos e a justiça social que sempre me pego lembrando da convivência com o amigo Nilton Bueno Fischer. Além, claro da alegre leveza e do senso de honestidade que tanto o caracterizavam."
Associado da ANPEd, consultor de entidades como CNPq, Capes, Inep e Fundação Carlos Chagas, Fischer foi autor de capítulos e livros sobre educação, a exemplo de "Por uma Política de Educação Pública Popular de Jovens e Adultos" (1992).
Gaúcho de Dom Pedrito (RS), Nilton Bueno Fischer faleceu no dia 26 de julho de 2009, aos 62 anos, vítima de uma parada cardíaca enquanto dormia. Em 2014, cinco anos após o falecimento, uma aula inaugural da Faculdade de Educação da UFRGS homenageou Fischer, que formou diversas gerações, tendo feito mais de uma centena de orientações de mestrado e doutorado. As atividades tiveram como objetivo rever seu legado, que se estende a áreas como saúde e meio ambiente. Confira vídeo da TV UFGRS.
Ao lançar o edital Homenagem Prof. Nilton Bueno Fischer de Educação e Direitos Humanos, a ANPEd se soma aos esforços de diferentes atores e instituições da sociedade civil brasileira que se encontram em luta contra os retrocessos na histórica agenda de defesa das garantias fundamentais e do combate às múltiplas formas de violências físicas e simbólicas presentes na vida nacional. Não é exagero falar em desmonte das políticas de Direitos Humanos no Brasil. Perdem espaço políticas contra o racismo, de combate à homofobia, de proteção às mulheres, crianças, adolescentes, deficientes. O acúmulo que o Brasil produziu na área dos Direitos Humanos está sob forte ameaça. Os sinais de retrocesso são visíveis e a ANPEd não pode ficar indiferente. É tempo de crise ética e política e o golpe institucional ocorrido no âmbito federal no ano de 2016 abriu espaço também para avanço de agenda conservadora que incide diretamente sobre o desmonte das políticas públicas de Direitos. Queremos com a Homenagem Nilton Fischer dar visibilidade aos muitos esforços de professores e professores das escolas públicas brasileiras que em suas práticas cotidianas mantém viva a agenda de Defesa dos Direitos Humanos, da educação orientada para a convivência em relações de alteridade e respeito à diferença.