A 38a Reunião Nacional da ANPEd contará com conferência de abertura proferida pela professora Nilma Lino Gomes (UFMG), às 20h no Centro de Eventos da UFMA. Ministra, no Governo Dilma Rousseff, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR/PR) e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, a pesquisadora fala sobre os desafios para pesquisa, Educação e relações étnico-raciais a partir de um contexto de democracia e conquistas sociais em retrocesso.
Foto: Nilma Lino Gomes (UFMG). Crédito: Foca Lisboa (UFMG)
Você fará a conferência de abertura da 38a Reunião Nacional da ANPEd, que tem como tema "Democracia em risco - a pesquisa e a pós-graduação em contexto de resistência". Em linhas gerais, o que você pretende abordar em sua fala e qual a importância de debater essa temática no contexto atual do país e da educação?
Nilma Lino Gomes - O país passa por um processo de retrocessos políticos, sociais e econômicos em relação aos direitos conquistados ao longo da nossa ainda jovem experiência democrática. Se a democracia está em risco, todos que lutamos por direitos e justiça social também estamos. Esse contexto afeta de maneira negativa, principalmente, o conjunto das instituições públicas. Se a democracia está em risco a universidade pública também está e já estamos vivenciando esse processo das maneiras mais diversas. Mas será que há um consenso sobre essa interpretação nas mais diversas áreas do conhecimento? Esse contexto afeta não somente a pesquisa e a pós-graduação, mas os sujeitos e, especificamente, o seu direito à educação. Como podemos resistir?
Você foi ministra, no Governo Dilma Rousseff, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR/PR) e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. De que forma foi possível enfrentar à época as questões e desafios relacionados a tais pastas e como você percebe as políticas para essa área atualmente?
Os desafios enfrentados durante o período em que atuei como ministra são históricos. Não se reduzem a um período e nem a um único governo. São desafios que percorrem a nossa trajetória democrática. Construir políticas públicas para negros, quilombolas, mulheres, jovens e para tod@s aqueles que são considerados sujeitos dos direitos humanos é lidar com coragem e firmeza com uma estrutura social, colonial, excludente, racista, machista, LGBTfóbica que se enraiza nas relações de poder. Por isso, deve-se construir uma gestão democrática na qual sejam reconhecidos e ouvidos os sujeitos dessas políticas, ou seja, os movimentos sociais, os sujeitos das ações coletivas e organizações da sociedade civil. Desses sujeitos têm vindo as pressões para construir políticas sintonizadas com as suas lutas sociais e históricas por direitos. A própria existência de ministérios como a SEPPIR, SPM, SDH, MDA e MDS, durante os últimos 13 anos no governo federal e em vários governos estaduais, municipais e distrital, é fruto da pressão desses movimentos pela sua presença na esfera pública como sujeitos. Pela sua presença no Estado.
No momento atual, depois do golpe disfarçado em impeachment o que eu posso dizer é: essas políticas estão retrocedendo, sendo excluídas e todas estão colocadas em risco. Isso exige de nós vigilância e resistência democráticas.
Como docente e pesquisadora na área de Educação e relações étnico-raciais, já tendo participado ativamente das reuniões da ANPEd, como percebe a importância da articulação destes encontros para a área?
A ANPEd não é mais a mesma desde que foram construídos os grupos de trabalho e foram inseridos debates que têm como foco de pesquisa, ensino e extensão as questões étnico-raciais, de gênero e sexualidade, dos movimentos sociais e da EJA. Elas qualificaram, problematizaram e enriqueceram ainda mais o debate educacional feito pela Associação. No caso das relações étnico-raciais faltava à ANPEd construir um lugar acadêmico para as discussões sobre as pesquisas e as dimensões políticas do racismo na educação e as formas da sua superação, em diálogo com o que já era produzido. O campo do conhecimento não é neutro. Ele precisa acompanhar a dinâmica do nosso tempo. A discussão sobre relações étnico-raciais é mais do que uma temática. É uma questão social, cultural, econômica, política e também acadêmica. Ela diz respeito aos sujeitos sociais que constroem conhecimentos válidos, os quais indagam e enriquecem o debate científico. São sujeitos com um histórico de resistência.
Que desafios enxerga para a pesquisa em Educação no que se refere às políticas públicas neste momento particular de crise da sociedade brasileira?
A pesquisa em Educação é cada vez mais desafiada a enxergar e reconhecer os sujeitos da educação, suas lutas, conquistas e conhecimentos. E a colocar esse reconhecimento em diálogo com o conhecimento científico e as políticas públicas. Os sujeitos da educação, em especial aqueles que pertencem aos coletivos sociais diversos e com histórico de desigualdades, pressionam a teoria educacional a analisar e compreender o fenômeno educacional não somente com o olhar focado no Estado e suas políticas, mas que produza um conhecimento sintonizado com a efervescência social, cultural, política e econômica da qual a educação faz parte. A nossa leitura sobre educação, políticas públicas e desigualdades, tão cara ao campo da educação, necessita cada vez mais do nosso esforço coletivo e de um olhar que considere a tensa relação entre poder, desigualdades e diversidade nesse momento particular da sociedade brasileira.
Quais os desafios para o direito à educação frente às metas do PNE e à perspectiva da diversidade racial no Brasil?
O texto do atual PNE ao ser comparado com o anterior expressa mais a presença da diversidade como parte integrante das discussões, preocupações, questões e políticas educacionais. Sem dúvida, encontramos a diversidade articulada ao direito à educação. Porém, a diversidade de maneira mais geral e a questão racial, em específico, aparecem de forma dispersa e transversal no texto, nas metas, nas diretrizes e nas estratégias do PNE. Trata-se de uma transversalidade subalterna, pois elas não figuram no atual PNE como um dos eixos estruturantes da política educacional. Por mais que os movimentos sociais, educadores e educadoras ligados às temáticas da diversidade tenham lutado pela sua inserção emancipatória e as articulado ao direito à educação, no final do processo e nas disputas de poder elas ainda não ocupam um lugar central nas políticas educacionais.
De forma geral, qual sua expectativa para a 38a Reunião Nacional?
Aproveito para parabenizar a ANPEd pela escolha do tema "Democracia em risco - a pesquisa e a pós-graduação em contexto de resistência” para a 38ª Reunião da ANPEd. Minha expectativa é de que esse tema seja o eixo orientador, de fato, das discussões dos GTs, sessões especiais, conferências e das decisões da Assembleia Geral. Essa reunião se realizará em um momento ímpar da nossa luta pela retomada da democracia. Estamos não somente em tempos de golpe parlamentar que traz retrocessos imensos aos direitos conquistados. Estamos em tempos de ofensiva conservadora e de retomada de um projeto colonial, neoliberal e de rejeição à diversidade. Tempos de Emenda Constitucional 95/2016 que congela por 20 anos os investimentos públicos federais em educação, saúde e assistência. De ataque aos direitos indígenas e quilombolas. De imposição da “ideologia de gênero”. De genocídio da juventude negra. De acirramento da violência contra a mulher e contra a população LGBT. De aumento do desemprego, retorno do Brasil ao mapa da fome e de ataque aos direitos trabalhistas. Tempos difíceis. As educadoras e os educadores de um modo geral e, em particular, aqueles que participarão da 38ª Reunião Nacional da ANPEd, terão que marcar presença emancipatória e democrática nesse momento de lutas e resistência. O Estado do Maranhão e a cidade de São Luís - marcados pela forte presença da população e das culturas negras e com um histórico de lutas e resistência - são escolhas oportunas para a realização da nossa reunião, principalmente, no atual contexto político.