Confira entrevista com Dalila Andrade (presidente da ANPEd nas gestões 2009-2011 e 2011-2013). A professora da UFMG é uma das convidadas da sessão especial que debaterá as "(Des)configuração do trabalho docente diante da agenda conservadora e das políticas privatistas" - a atividade acontece no dia 5 de outubro durante a 38a Reunião Nacional da ANPEd em São Luís do Maranhão. Confira:
Qual sua expectativa para a 38a Reunião Nacional da ANPEd?
Minha expectativa é de que a 38a. Reunião Nacional seja um marco político-acadêmico na cena brasileira atual. Que nos diversos espaços de discussão e difusão do conhecimento que a Reunião propicia, possam estar refletidas as preocupações com os riscos que a educação brasileira enfrenta na atualidade como política pública e direito social. Estamos vivendo um momento bastante particular na história do país, a ruptura com o processo democrático, a partir do golpe impetrado contra a presidenta eleita Dilma Rousseff, trouxe um cenário de grande instabilidade política e econômica que reflete em uma séria crise institucional. A população está bastante desacreditada das instituições públicas (e privadas), sobretudo, daquelas que deveriam estar a serviço da sua proteção e cuidado, o que gera uma crise de desconfiança que atinge toda a sociedade. Crise provocada pelas inumeráveis e incessantes denúncias de corrupção envolvendo lideranças políticas e empresariais, como também pela desconstrução e derrubada de direitos sociais que, a partir do executivo (empossado pelo governo ilegítimo de Michel Temer) e com o apoio do Congresso Nacional (o pior da nossa história!), estamos assistindo. E a educação sofre diretamente suas consequências. A Emenda Constitucional n.o 95/2016, que congela os gastos sociais por 20 anos, condena o Plano Nacional de Educação (PNE) ao engavetamento, desrespeitando anos de construção coletiva de uma agenda para a educação brasileira para uma década. E mais, somente para este ano, foram cortados 44% do orçamento em Ciências e Tecnologia, atingindo em cheio a pesquisa e a pós-graduação no país. Nesse sentido, a ANPEd como a mais importante representação institucional da área de Educação, compreendendo-a como um campo do conhecimento, cumpre um papel singular na resistência a esse processo. Além das variadas participações que tem sua diretoria em relevantes espaços de representação política em defesa dos direitos da área, sua Reunião Nacional consiste no mais destacado evento acadêmico de Educação no país. A ANPEd tem sua história marcada pelo posicionamento político firme em defesa da democracia e do direito à educação pública, gratuita, laica e de qualidade. Tendo em muitos momentos difíceis, bravamente erguido essas bandeiras, e comprometendo-se ao lado dos que lutam por um país mais justo e igualitário, cumpre também na atualidade esse papel. Os milhares de pesquisadores e pesquisadoras de educação, que se reunirão em São Luís do Maranhão na primeira semana de outubro deste ano, certamente ajudarão a escrever uma história que vislumbra melhores dias para a área de Educação e para a população brasileira.
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Imagem: Dalila Andrade Oliveira. Fonte: Gestrado/UFMG
Que tipo de reflexão pretende levar para a sessão especial "(Des)configuração do trabalho docente diante da agenda conservadora e das políticas privatistas"?
Este tema que será objeto da sessão especial que irei participar com outros colegas se relaciona diretamente com meu objeto atual de pesquisa. Nos últimos 15 anos venho dedicando-me à pesquisa sobre o trabalho docente, tomado no sentido mais amplo, compreendendo os sujeitos e suas relações no contexto das políticas educacionais na América Latina. Por meio das muitas pesquisas realizadas no âmbito da Rede Latino-americana de Estudos sobre Trabalho Docente (www.redeestrado.org) nas duas últimas décadas, o que observamos é que há uma forte tendência à privatização, nas suas formas exógenas ou endógenas, nos sistemas educacionais nos países da região e mais recentemente uma onda conservadora que tem deslocado a agenda educacional para um debate moralista e discriminador que há muito se pensava superado. Os estudos têm evidenciado tanto o aumento da participação do setor privado na oferta educativa, como também a adoção da lógica privada na gestão das instituições públicas, por meio da Nova Gestão Pública (NGP). Essa tendência tem impactos diretos sobre o trabalho docente. Com dados de pesquisa vou tentar demonstrar os efeitos diretos da NGP nas redes públicas sobre a carreira, as condições de trabalho e a remuneração. Essa tendência tem promovido a reestruturação do trabalho docente (novas funções e atribuições resultando em alguns casos em nova divisão técnica nas unidades educacionais, etc.) e desconfigurado as formas tradicionais de carreira.
De que forma você percebe a urgência de se debater essa questão frente à temática geral da 38a Reunião Nacional - "Democracia em risco: a pesquisa e a pós-graduação em contexto de resistência"?
A valorização dos profissionais da educação tem sido uma demanda reconhecida como urgente e necessária por amplos setores da sociedade. O direito à educação assegurado a toda população é condição para uma sociedade democrática. A luta pelo direito à educação com qualidade para o conjunto da sociedade, inclusive para aqueles que nunca tiveram acesso ou que só passaram a tê-lo muito recentemente, pressupõe melhores condições da oferta educativa, o que não se atinge sem que seus profissionais possam receber a formação adequada, a remuneração compatível com sua formação, possibilidades de promoção na carreira e que contem com as condições necessárias para realizar plenamente suas atividades. Essa demanda foi absorvida pelo PNE (Lei 13.005/2014) nas suas metas 15, 16, 17 e 18. Entretanto, a mencionada EC95/2016, que congela os gastos sociais para as próximas duas décadas, compromete o cumprimento dessas metas, o que soma-se a um conjunto de fatores que corroboram para pôr em risco a democracia em nosso país.