Entrevista com Roberto Leher (UFRJ) | Sessão Especial "A financeirização da economia e a privatização da educação" | 38a Reunião Nacional da ANPEd

imagem: Roberto Leher. Crédito: William Santos / UFRJ

Roberto Leher, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estará presente na sessão especial "A financeirização da economia e a privatização da educação", na 38a Reunião Nacional da ANPEd. Confira entrevista com o professor e pesquisador:

Qual sua expectativa para a 38a Reunião Nacional da ANPEd?
A Reunião Nacional da ANPEd acontecerá em um contexto extremamente difícil para o país e, em particular, para a educação pública. Uma série de medidas efetivadas pelo atual governo alcança de modo devastador a educação pública e áreas conexas, como ciência, tecnologia e cultura.A lista das medidas hostis aos direitos sociais e à educação pública é longa e articulada: Emenda Constitucional n. 95 (redução das despesas primárias), reforma trabalhista / terceirização das atividades fins, reforma do ensino médio (e formação de professores), ampliação do FIES para a educação tecnológica e a pós-graduação (mestrado e doutorado) em benefício do setor privado-mercantil, ampliação da educação à distância para a educação básica, regressões antisecularistas nas diretrizes curriculares, descaracterização de políticas que estavam no âmbito da SECADI, apensamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação ao Ministério da Comunicação, cortes drásticos nas verbas do MCTIC, no MINC e nas Federais. Ainda tramitam medidas que repercutirão de modo sistêmico na área educacional, como a reforma da previdência. Infelizmente, poderia elencar outras tantas medidas muito graves. Diante da Reforma do Estado não consentida, a área acadêmica terá de produzir conhecimento sistemático para que possamos compreender melhor o alcance e o significado dessas medidas. A partir desses conhecimentos, empreeender ações que possibilitem a defesa dos valores e princípios da educação pública, laica, gratuita, unitária e universal. Será uma reunião vibrante e necessária!
 

Que tipo de reflexão pretende levar para a sessão especial "A financeirização da economia e a privatização da educação"?
Pretendo mostrar que existe uma nova realidade, inteiramente distinta daquela presente no debate sobre a privatização da educação no Brasil. A rigor, as faculdades, centros e universidades privadas que operam na bolsa são organizações subordinadas ao mundo das finanças, por meio de fundos de investimentos (private equity). Desse modo, novas perguntas são necessárias. Para os fundos, o controle de organizações educacionais é apenas uma dimensão de seus negócios. A rigor, pouco importa para o fundo se a maximização dos lucros de seus investidores provem da educação, de cervejas ou de salsichas. O foco do negócio é o próprio fundo. Essa é a lógica do mundo das finanças. Evidentemente, o cotidiano do trabalho nessas organizações tornou-se muito mais áspero e complexo. Muitos docentes seguem comprometidos, assim como muitos estudantes seguem lutando em prol de uma boa formação, mas a lógica da política caminha em outro sentido. Outro aspecto que tentarei destacar é a meteórica formação de monopólios resultantes do febril processo de aquisições e fusões. Apenas uma organização, Kroton-Anhanguera, possui mais estudantes do que todas as 63 universidades federais reunidas! Finalmente, apresentarei indicadores que comprovam que sem a indução estatal (FIES, PROUNI), tal processo não estaria acontecendo com a intensidade atual. Foram essas políticas que particularizaram o caso brasileiro, certamente o de maior voracidade mercantil em todo mundo.

De que forma você percebe a urgência de se debater essa questão frente à temática geral da 38a Reunião Nacional - "Democracia em risco: a pesquisa e a pós-graduação em contexto de resistência"?
A congruência é total! O desmonte da educação pública, não mercantil, coloca a democracia em risco. Como assinalei, teremos de socializar conhecimentos, debater, buscar linhas de ação e formas de organização que possibilitem um vigoroso movimento nacional em defesa da educação pública. Ha mais de 25 anos Florestan Fernandes nos exortava a construir um novo ponto de partida para as lutas em defesa da educação pública. As suas palavras devem nos interpelar hoje!